terça-feira, abril 25, 2006

Reflexões sobre o 25 de Abril


Passados que estão 32 anos após a Revolução do 25 de Abril de 1974, gostaria de tecer algumas considerações sobre este tão importante marco da história de Portugal.
Este acontecimento foi uma autêntica charneira entre o passado e o futuro.
O 25 de Abril não foi importante apenas para aqueles que o viveram, mas também e, talvez sobretudo, para as gerações mais novas que já nasceram em pleno gozo da liberdade. Para estas é natural que lhes pareça impossível uma sociedade, em plena Europa Ocidental, onde o divórcio era reprimido, onde as mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens, onde havia livros, filmes e canções proibidas, onde as artes eram censuradas, onde a comunicação social era controlada, onde não havia liberdade de expressão, onde a maioria da população vivia na pobreza, onde só uma minoria tinha acesso à educação, onde não havia auto-estradas… A maioria dos que tinham, nessa altura, uma vida activa defendem fervorosamente a democracia trazida pelo 25 de Abril. Lembro-me, apesar da minha tenra idade, que nesse dia, na escola onde frequentava o ensino primário (Escola de Passos – Cárquere), o meu professor ter soltado um desabafo de alegria, em casa o meu avô acompanhava, através do seu rádio a pilhas, tudo o que se ia passando em Lisboa e os comentários iam surgindo por aqui e por ali: “Até que enfim que esta m… acabou!
Efectivamente tratou-se de um acontecimento tão marcante no nosso devir histórico que sempre se fala e falará num antes e num depois do dia em que os jovens capitães do MFA, interpretando as aspirações de um povo que há 48 anos vinha sendo oprimido pela mais antiga ditadura da Europa Ocidental, derrubaram um governo e um regime completamente ultrapassados no tempo, abrindo as portas à democracia.
O facto de me poder exprimir desta forma e deixar aqui a minha opinião é um bem que me foi concedido pelo 25 de Abril. Ao defender a democracia, baseio-me no facto de, ao longo da história não encontrar-mos melhor regime para o homem poder garantir o respeito por si e pelos outros. A revolução do 25 de Abril diferiu de muitas outras revoluções da nossa história, pois trouxe-nos a alegria da liberdade.
Nesta perspectiva defendo o 25 de Abril como causa de todas as transformações que se verificaram nas últimas três décadas em Portugal: o fim da Guerra Colonial e a Descolonização, a adesão à União Europeia e a implementação de um Economia de Mercado. Com o 25 de Abril, os portugueses perderam a vergonha de o serem, quando, sobretudo no estrangeiro, eram confrontados com as observações e as críticas que visavam um regime de modelos caducos e cada vez mais isolado no âmbito internacional. Hoje somos uma sociedade muito diferente e muito melhor. Evoluímos mais nestes 32 anos do que em qualquer altura do século XX e como em poucos momentos dos nossos quase 900 anos de história. Segundo dados do INE, há 32 anos cerca de metade dos lares portugueses não tinha água canalizada e mais de um terço não dispunha sequer de electricidade. Em matéria de saneamento básico, a evolução foi abismal. De país de emigrantes, transformámo-nos em país de imigrantes. Nos últimos 32 anos, a emigração portuguesa reduziu-se a valores praticamente insignificantes. No sector da saúde, a revolução trouxe direitos sociais para todos. Tudo aumentou, o número de centros de saúde, de médicos e de pensionistas. E o Estado Providência começou a crescer. No sector da educação, o ensino superior subiu de tal forma que quase se deu uma corrida ao canudo. Mas ainda existem cerca 800 000 portugueses que não sabem ler nem escrever.
No entanto, tenho consciência plena de que esta transição não foi perfeita. Questionar-me-ão se todas estas transformações forma perfeitas. Evidentemente que não, mas provavelmente nenhum outro país evoluiu social e politicamente tanto em tão curto espaço de tempo.
Afirmam alguns que o espírito de Abril ainda não se cumpriu em absoluto. Pois continuam os problemas na saúde, no emprego, na educação, na velhice, … e que nalguns casos até se têm agravado. A nossa juventude esgota as causas por que luta nos protestos contra as propinas. A abstenção é, desde há vários anos, o maior partido eleitoral português.

quarta-feira, abril 12, 2006

Supremo iliba mulher acusada de maus tratos a deficientes


Uma responsável de um lar de crianças com deficiências mentais, acusada de maus tratos a vários menores, foi absolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que considerou «lícito» e «aceitável» o comportamento da mulher.
A mulher tinha sido indiciada por diversas situações, desde dar palmadas e estaladas às crianças, até fechá-las em quartos escuros quando elas se recusavam a comer. Apenas foi condenada com pena suspensa por, pelo menos duas vezes, ter amarrado os pés e as mãos de um menino de sete anos, como forma de evitar que saísse da cama e perturbasse o seu sono.
O Ministério Público recorreu, mas não lhe foi dada razão. O Supremo alegou que fechar crianças em quartos é um castigo normal de «um bom pai de família» e que as estaladas e as palmadas se não forem dadas até podem levar à «negligência educacional».
«Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho que se recusa ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho (...) ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer? Quanto às duas primeiras, pode-se mesmo dizer que a abstenção do educador constituiria, ela sim, um negligenciar educativo. Muitos menores recusam alguma vez a escola e esta tem - pela sua primacial importância - que ser imposta com alguma veemência. Claro que, se se tratar de fobia escolar reiterada, será aconselhável indagar os motivos e até o aconselhamento por profissionais. Mas, perante uma ou duas recusas, umas palmadas (sempre moderadas) no rabo fazem parte da educação», afirmaram os juízes, num acórdão proferido na semana passada.
A responsável trabalhava no lar residencial do Centro de Reabilitação Profissional e o Tribunal provou que, entre 1990 e 2000, a arguida trabalhou no local e fechou frequentemente um menor de sete anos (que sofria de psicose infantil muito grave) na despensa com a luz apagada, para que ele ficasse menos activo.
Os mesmos tribunais, de Setúbal e o Supremo, consideraram ainda que se tinha provado que um quarto menor deficiente ficou «de castigo num quarto sozinho quando não quis comer a salada à refeição, tendo aquele ficado a chorar por ter medo». Mesmo assim, disseram os juízes que era tudo normal e que não se podia falar de comportamento reiterado.
«A gravidade inerente às expressões maus tratos e tratamento cruel constitui, ela sim, o elemento que nos leva à improcedência deste recurso. É que, quanto a estes menores, não só não se atinge tal gravidade, como os actos imputados à arguida devem, a nosso ver, ser tidos como lícitos. Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros. Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados», concluíram os juízes, mantendo então a pena aplicada pelo tribunal de primeira instância à arguida, por ter amarrado os pés e as mãos da criança: dezoito meses de prisão, suspensos por um ano.